SONHOS NA ANTIGUIDADE

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Uma viagem no tempo pode nos ajudar a pegar um fio que nos liga ao passado e ao futuro – motivos arquetípicos que foram formados por muitas psiques através dos tempos. Desde a Antiguidade, como nos conta Van der Castle (1971), os sonhos têm intrigado os homens, suscitando interpretações variadas por místicos, psicanalistas e neurofisiologos. Os povos antigos, chineses, gregos, hindus e romanos consideravam os sonhos como mensageiros; para uns, mensageiros dos espíritos e demônios, para outros, mensageiros dos deuses. O comportamento desses povos era determinado pela compreensão dos sonhos.

As crenças Babilônicas e Assírias eram de que os espíritos dos mortos e demônios causavam influências negativas nos sonhos. Realizavam práticas mágicas para assegurar a ajuda de Manu – deusa dos sonhos na Babilônia. Os egípcios não se preocupavam tanto com a demonologia, interpretavam os sonhos como mensagens dos deuses, que se comunicavam em três sentidos: exigiam penitência ou arrependimento, advertiam quanto a futuros perigos e respondiam perguntas. Serápis era o deus egípcio dos sonhos e teve muitos templos no país; o mais importante serapins estava em Menfis, construído em 3000 a C. Nestes templos praticava-se a incubação, uma tentativa deliberada de induzir sonhos, rezando e jejuando.  Realizavam um ritual através de rezas, invocações, desenhos e ritos mágicos para conseguirem sonhar.

As crenças dos hindus podem ser encontradas nos VEDAS- (livro sagrado da sabedoria antiga, escrito em 1500- 1000 a C.) onde há listas de sonhos favoráveis e desfavoráveis com interpretações específicas de imagens de sonhos. Imagens de violência e agressão eram interpretadas de acordo com a reação do ego onírico; se ativo indicava sucesso e felicidade, se passivo era de mau augúrio. Os efeitos desses sonhos tinham que ser neutralizados por purificações ou diversos tipos de banhos. Davam interpretações diferentes aos sonhos tidos em diversos períodos da noite, e levava-se em consideração o temperamento do sonhador. Os primeiros filósofos da Índia acreditavam em quatro estados da alma: vigília, sono sem sonhos, sonho e unidade mística. De acordo com as crenças chinesas, o sonho era gerado internamente pela alma- Hun. No sono, Hun se separa temporariamente do corpo, podendo, assim, comunicar-se com espíritos e voltar, ao acordar, com impressões desses encontros. Os estímulos físicos eram também fontes para os sonhos.

Os gregos postulavam que a pessoa que dorme seria visitada por um deus ou espírito que transmitia mensagens. No séc. V a C. foi introduzida a idéia de que a alma deixava o corpo para fazer visitas aos deuses. O processo de incubação tornou-se uma prática muito desenvolvida entre os gregos. Ergueram templos (Ábaton ) dedicados a Asclépio (Esculápio), deus da cura ou da medicina, que teria vivido no séc. XI a C. e mais tarde deificado. No Àbaton, enquanto a pessoa dormia e sonhava, a crença era de que o deus viria para tocar o local ferido. Os sonhos eram, então, contados para os sacerdotes que, após interpretá-los, faziam as prescrições.

Os gregos exerciam a mântica, ou seja, a arte de prever o futuro. Mântis era o adivinho ou profeta, aquele que tinha o dom da mântica. A visão de Tirésias, etimologicamente o que tem capacidade de visão, é a de dentro para fora, por isso é mántis. A mântica está relacionada com a serpente, réptil ctônico por excelência e, por isso mesmo, em comunicação com o mundo de baixo, depositário muito antigo da adivinhação. No oráculo de Delfos, a mântica pré-apolínea tinha por guardiã e inspiradora a serpente Píton. ”Vê-se, adivinha-se de dentro para fora, das trevas para a luz.” (BRANDAO, 1987). Só podia ser  mântis quem possuía a mania: a loucura sagrada. Ninguém podia ser mântis a sangue frio, tinha que ser possuído pelo deus, e um deus só penetra em nós através do êxtases e do entusiasmus, que é a ação interna de transformação. Oniromancia era uma das mânticas dos gregos. Oniro, deus do sonho que sempre se apresenta como morfeu (morphé = forma) nunca poderia se apresentar senão sob “a forma de”, ou seja, hierofânica.

O sonho acontece num estado alterado de consciência, muito além das nossas categorias racionais de espaço e tempo. Transita no passado, presente e futuro, com temas conhecidos e outros que não temos a menor familiaridade. A percepção dos mesmos se dá com o permitido pela nossa consciência. A referência é a das nossas percepções sensoriais. E assim, essas imagens podem ser visuais, auditivas, proprioceptivas ou sinestésicas. Os sonhos buscam resolver problemas, despertando em nós as mais distintas emoções, apontando sempre para o que desconhecemos ou não suportamos admitir.

O poeta FERNANDO PESSOA (2012) traduziu essa imposição interna em “Sonhar”:

Eu tenho uma espécie de dever

Que é de sonhar

E sonhar sempre

Pois sendo mais

que um expectador de mim mesmo

Eu tenho que ter o melhor espetáculo

que posso.

E assim me construo

A ouro e sedas

Em salas supostas

Invento palcos, cenários

Para viver o meu sonho

Entre luzes brandas

E músicas invisíveis

Referências

BRANDAO, J. S. Mitologia Grega. v.II. Petropolis. Vozes.  1987.

PESSOA. F.  http://www.pensador.uol.com.ar Acesso em 30 de março de 2012.

VAN DE CASTLE,R.L.  The psocology of dreaming. Morristown: General Press, 1971.

Autora: Marfiza Ramalho Reis

Membro analista fundadora da SBPA-RJ