RESENHA
Gaeta, Irene e Catta-Preta, Marisa com imagens de Antônio Peticov.
Sonhos e Arte – diário de imagens. São Paulo, Primavera Editorial. 2014.
Neste livro, duas autoras valendo das suas ricas experiências clínicas, apresentam uma proposta inovadora. Convidam o leitor a registrar as imagens dos sonhos e a expressá-las usufruindo dos espaços que são oferecidos. A matéria-prima do livro são os sonhos, no entanto, a obra de Antônio Peticov é apresentada para nos inquietar, e a esse respeito elas escrevem: “sua obra tem algo que compreendemos conscientemente e o reconhecimento de algo que reconhecemos mas que não saberíamos representar em imagens”. Nesse sentido, encontraram profunda ressonância com a abordagem junguiana. Concordamos com o brilhante prefácio da Marilia Ancona Lopes que diz ser o diário de imagens interiores, fruto de um pensamento que conceitua o inconsciente que se manifesta na linguagem onírica, e não um manual de exercícios.
Enquanto, Irene Gaeta faz uma reflexao sobre arte e sonhos – articulando o trabalho de expressão artística por meio de imagens-corpo como forma de acessar conteúdos inconscientes – Marisa Catta-Preta estuda e investiga as relações entre os sonhos e o sono, usando imagens oníricas como instrumento para auxiliar na cura de pacientes insones. Em sintonia com os pressupostos junguianos que tratam das imagens oníricas e de sua ampliação, as autoras ressaltam, neste livro, as imagens que nos visitam diariamente como parte da expressão simbólica do inconsciente e como via de acesso aos complexos que se personificam e criam vida própria.
Jung considerava esse diálogo –sonhos e arte – como tendo um efeito curativo. Afirmava que, assim como uma planta produz flores, a psique cria seus símbolos e que todo sonho é uma evidência desse processo. Nos mostrou, através da sua vida e obra, que a leitura da obra de arte atua em nós como as imagens dos sonhos que , mesmo sem a compreensão racional, pode ter um efeito homeostático sobre nós, pois a forma não precisa de interpretação, ela própria se basta e apresenta seu sentido.
As obras de grandes mestres, como nos mostram as autoras, confirmam que o treinamento da técnica não esconde os traços de personalidade. Essas obras apresentam um farto material para o trabalho do psicólogo clínico que utiliza recursos expressivos como a arte e os sonhos. Citam Vicent Van Gogh que na intensidade das cores mostra a força dos sentimentos; Edgar Degas com seu olhar fotográfico e Rene Magritte com a frieza dos ambientes retratados representando sua angústia. A pintura surrealista – Paris nos anos vinte – busca libertar a arte do racionalismo procurando fixar as imagens oníricas – o vivido com o sonhado. Neste diário de imagens aparece o trabalho do paulista Antônio Peticov –desenhista, gravador e escultor – símbolos que nos provocam diversas emoções. Ao lado dessas imagens, páginas em branco nos inquietam a ir além da nossa compreensão racional. Ao mesmo tempo, nos inspirando e nos ensinando a conviver com os sonhos e a perder o medo de representar nossas próprias imagens. Um convite a acessar nossa criatividade e ampliar a consciência. Citam Von Franz (p.76) que escreveu:
“ Jung insiste em algo que ele fez em sua própria vida: quando um símbolo onírico emerge numa forma dominante, deve-se ter o trabalho de reproduzí-lo, seja em desenhos, ainda que não se saiba desenhar, seja em esculturas, ainda que não se saiba esculpir, mas de qualquer outra maneira, contanto que se estabeleça uma relação concreta com ele.”
As autoras concordam que arte e sonhos nunca fecham questão e sim, deixam para cada um de nós as conclusões. Da nossa experiência pessoal e clínica sabemos que os sonhos , assim como todo símbolo, tem seus aspectos indecifráveis que permanecerão no inconsciente. Adentrar nesse mistério dos sonhos e do inconsciente através da arte, pela via da nossa criatividade, e acessar as imagens como “palavras-guia” da alma é o que nos convida Irene Gaeta e Marisa Catta-Preta com sensibilidade e competência.
Marfiza Reis