CONVIVENDO COM OS SONHOS
A pesquisa científica já demonstrou que sonhamos todas as noites. Se pensarmos em termos do tempo de vida médio, por volta dos 70 anos, passamos 1/3 dormindo e muito desse tempo a sonhar. É um tempo enorme que passamos no “outro mundo”. Devemos, portanto, prestar atenção aos nossos sonhos, pois eles têm uma função importante em nossas vidas: a função básica de ampliar nossa consciência.
Por quê sonhar? Como você se relaciona com os seus sonhos? Que lugar ele ocupa em sua vida? Enfim, de que maneira podemos conviver com os sonhos?
Jung, ao longo de toda sua história, como nos mostra em suas memórias, guiou sua vida e trabalhos numa relação intensa com seus sonhos, que significava, para ele, a essência da sua vida.Ele não interpretava seus sonhos formando uma idéia clara do seu significado; ao contrario, ele convivia com seus sonhos, ruminava-os e questionava a respeito. Entendia-os como se fossem “dramas interiores”, em que o sonhador representa todos os papeis: atores, espectadores e cenário. Nas palavras de Von Franz em Dreams: “O elemento iluminador de um sonho é como a luz de uma vela, que se torna pálida tão logo alguém acende a luz elétrica da consciência do ego”.
Na abordagem junguiana, os sonhos são mensagens, declarações alegóricas e /ou simbólicas sobre a situação psicológica do sonhador. O sonho é uma das vias que ajuda o individuo a compreender o significado da sua vida, do seu sofrimento e de ser quem ele é, apresentando-se, portanto, como uma auto-representação do processo vital psíquico. Cientistas, artistas e muitas pessoas relatam idéias criativas surgidas durante os sonhos; momentos de inspirações nos quais idéias súbitas brotam do inconsciente como fonte de sabedoria. Parece existir uma matriz psíquica de onde jorra inspirações, que alguns chamam de guia espiritual interior e Jung denominou de Self.
Os sonhos nos auxiliam a acessar essa matriz, Self ou centelha divina que é fonte de inspirações em nossas vidas.
Como os sonhos provêm do inconsciente, eles têm em comum a mesma linguagem simbólica das artes, dos mitos, do folclore e dos rituais religiosos, que são todos resultantes da imaginação. Alguns desses símbolos nos chegam através das culturas e dos tempos. Uma forma de amplificação é encontrar temas universais nos mitos e no folclore que são comparáveis às imagens presentes no sonho. Outra forma é perceber o próprio corpo, pois consideramos que ele registra as nuanças dos sentimentos inconscientes. Temos uma memória corporal. Ao examinarmos um sonho devemos relaxar um pouco, fechar os olhos permitindo que a intuição e o sentimento se expressem e, só depois passar para a compreensão intelectual. Imagens e sentimentos são como dois lados de uma mesma moeda, e entrar em contato com um sentimento pode gerar um processo espontâneo de amplificação.
O acesso a esse nível de comunicação, como enfatizou Jung, só é possível em uma combinação entre sintonia artística, emocional, intuitiva e lógica racional. O significado psicológico das imagens só se dá em um contexto, numa trama de associações, explicações e amplificações que elas evocam. Tornam-se, então, metáforas – descrições de uma coisa em termos da imagem de outra.
O compromisso com o processo de individuação implica a convivência com os sonhos. Para lembrar dos sonhos e acompanhá-los como em um seriado é preciso disposição para anotá-los com todos os detalhes, por mais insignificantes que pareçam. Além da qualidade e quantidade é importante registrar também os sentimentos, as intenções e reações, enfim, como o ego onírico se comportou no sonho. Não se preocupe com o esquecido, fique com o que você lembrar.
Anote a cena onírica e todas as associações que vierem, qualquer lembrança, não despreze nem desconsidere imagens ou idéias que surgirem. Se preferir desenhe, sem preocupação com estética, e pergunte: “Por quê será que eu tive esse sonho?”
Em busca da resolução de problemas, os sonhos despertam em nós as mais distintas emoções, sempre apontando para o que desconhecemos ou não suportamos admitir, ou seja, o nosso lado sombrio. Muitas vezes quando não entendemos a linguagem do sonho ela pode se tornar perturbadora exagerando para ser ouvida – enchentes, terremotos, marés altas, precipícios – assim como uma criança que grita para chamar atenção. Assim que a imagem toma forma, o significado torna-se claro quando, a principio, privilegiamos a contemplação à espera da compreensão psicológica. Compreender as imagens é uma tarefa difícil, portanto, não tentar decifrá-las rapidamente é da maior importância. A atitude adequada para ouvir a voz interna é de calma, pois só assim ela se tornará mais expressiva, não para dizer o que gostaríamos, mas a verdade que precisamos ouvir. Daí a importância de aprendermos a conviver com os sonhos e de usarmos técnicas que nos auxiliem nessa convivência.
Arrefecer a arrogância do nosso ego e aceitar o inconsciente nos sintoniza com camadas mais profundas da nossa psique. À medida que a aliança se desenvolve temos mais condições de reconhecer a nossa “voz interna” com sua maturidade e sabedoria. Estabelece-se então, a ética que o caminho de individuação impõe, ou seja, a concordância entre o mundo interno e externo, o imperativo de deixar que a “voz interna” influencie nossa vida.
Marfiza Ramalho Reis
Membro analista fundador da SBPA/RJ